quarta-feira, 3 de junho de 2009

Ata 2 - A doutrina das semelhanças

“A doutrina das semelhanças”, por Rosita Mattos.

A professora Patrícia leu fragmentos dos artigos: “Visão do livro infantil”, escrito por Benjamin em 1922 e “Rua de mão única”, 1926-1928. O início da aula anunciava a sua conclusão. A forma como Benjamin apresenta no primeiro texto o modo como as crianças leem é quase uma resposta a reflexão que propõe em A doutrina das semelhanças - “deve-se refletir ainda que nem as forças miméticas nem as coisas miméticas, seu objeto, permaneceram as mesmas no curso do tempo; que com a passagem dos séculos a energia mimética e com ela o dom da apreensão mimética, abandou certos espaços, talvez ocupando outros.” No segundo, ele parece observar uma criança que brinca de esconder “... e por detrás de uma porta ela própria é a porta...”. Em A teoria das semelhanças, Benjamin diz que as brincadeiras infantis constituem a escola das capacidades miméticas.
Ao falar sobre as semelhanças, Benjamin afirma que é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças e que “talvez não haja nenhuma de suas funções superiores que não sejam determinadas pela capacidade mimética” e ainda, que é na brincadeira infantil que a faculdade mimética pode ser observada. Este comportamento não se limita apenas a reproduzir o comportamento adulto. A faculdade mimética tem como característica a capacidade de reconhecer e reproduzir semelhanças. Difere-se da imitação porque não é propriamente uma réplica, mas uma forma de reelaboração. “Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação das pessoas” (pag. 108).
Para avaliar o significado do comportamento mimético, afirma que o sentido contemporâneo do conceito de semelhança não basta. A experiência da semelhança do homem de hoje é muito diferente de outrora. Benjamin pergunta se o dom da apreensão mimética não abandou certos espaços e passou a ocupar outros. Se esta capacidade se extinguiu no homem moderno ou se ela se transformou. Traz a astrologia como um exemplo para se compreender o conceito de uma semelhança não física (extra-sensível) e acrescenta outra particularidade na esfera do semelhante, que é a rapidez com que ela se revela, num relampejar. Retomando a idéia de que a inteligência mimética desapareceu de certos campos para ressurgir em outros, traz a linguagem como um “cânone que nos aproxima de uma compreensão mais clara do conceito de semelhança extra-sensível” (pág 110).
A linguagem teria surgido da mímica gestual, já que o primeiro desejo de comunicação com o outro foi através da mímica. “Mas na gênese da linguagem, coube ao comportamento imitativo o lugar de elemento onomatopaico”. O som acompanhava a mímica e, aos poucos, foi se tornando predominante por ser mais econômico que a mímica. A fala imitaria o gesto. Benjamin é contra a teoria onomatopaica da linguagem. A linguagem não surge pela imitação, mas sim pela semelhança de seus significados. Palavras diferentes se assemelham em seu significado. “É, portanto, a semelhança extra-sensível que estabelece a ligação não somente entre o falado e o intencionado, mas também entre o escrito e o intencionado, e entre o falado e o escrito. E o faz de modo sempre novo, originário, irredutível” (pág 111).
Para Benjamin, a mais importante destas ligações deve ser a existente entre a fala e a escrita, pois a semelhança entre a fala e a escrita é, entre todas, a mais extra-sensível. E segue afirmando que “o contexto significativo contido nos sons da frase é o fundamento a partir do qual a semelhança emerge num instante, como um relâmpago”. Assim, os antigos brincavam com as palavras e acreditavam que elas mudavam o mundo, “Abre-te Sésamo”. A palavra instaura a realidade e tem o poder de mudá-la.
O dom mimético permitia ao astrólogo ler o destino à partir da posição das estrelas no céu. A possibilidade desta primeira leitura, o seu significado profano e mágico, ainda não desapareceu de todo. A capacidade mimética do homem antigo perpetua no homem moderno através da linguagem,“...foi à escrita e à fala que a clarividência, ao longo da história, cedeu as suas antigas forças.”
Ao afirmar que é pela linguagem que as capacidades primitivas de se perceber as semelhanças penetram, ao dar à linguagem este aspecto místico, Benjamin faz uma crítica ao mundo moderno, que quer explicar tudo pela lógica formal. Também chama a atenção para a dimensão temporal em que as semelhanças irrompem. Sendo assim, é preciso cuidar da velocidade na leitura ou na escrita, o que ele chama de “ritmo”. É precioso tempo para observar um texto e o que a leitura revela, reinventar o que está ali e resgatar a significado mágico da leitura, para o leitor não sair de mãos vazias.
“Que se indique quatro ou cinco palavras determinadas para que sejam reunidas em uma frase curta, e virá á luz a prosa mais extraordinária: não uma visão panorâmica do livro infantil, mas um indicador de caminhos. De repente as palavra vestem seus disfarces e em um piscar de olhos estão envolvidas em batalhas, cenas de amor e brigas. Assim as crianças escrevem, mas assim elas também lêem seus textos” (1926).

Referências:
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, v.I. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário